Duas manas reencontram-se numa tarde de primavera.
São tão diferentes.
Uma tem o rosto marcado pelo sofrimento de uma vida vivida em prol dos seus. Roubaram-lhe o marido cedo de mais.
A outra é a cara da mãe, tem os cabelos grisalhos e já se apoia numa bengala.
Que saudades eu tenho.
Lembro-me de regressar da escola, ao final da tarde, dar-lhe o lanche e deitar-me no tapete da sala a ver a Carrinha Mágica e a comer bolachas de manteiga e chocolate até mais alguém chegar a casa.
Recordam-se desses desenhos animados?
Ah, como eu viajava com toda aquela magia!
Ainda tenho na memória o lugar onde ela gostava de colocar a cadeira nos dias de sol sempre com o lenço na cabeça e o xaile pelas costas.
As manas conversam.
O ambiente está pesado.
Eu sinto.
Toda a gente sente.
Falam sobre este e aquele.
Falam sobre o tempo.
Evitam o assunto.
O tempo resfria como se de uma verdadeira despedida se tratasse.
Eu dou um beijo à mana e digo "venha visitar-nos" e um com um sorriso responde-me "até um dia minha filha".
A noite chega e com ela a esperança de que não seja um adeus.
Fotografia: Sebastião Salgado