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quarta-feira, 10 de junho de 2015

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas


O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos, 
Frotas, pendões ao vento sobranceiros, 
Lindos versos de antigos romanceiros, 
Céus do Oriente, em brasa, como beijos, 


Mares onde não cabem teus desejos; 
Passam no teu olhar mundos inteiros, 
Todo um povo de heróis e marinheiros, 
Lanças nuas em rútilos lampejos; 


Passam lendas e sonhos e milagres! 
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres, 
Em centelhas de crença e de certeza! 


E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim, 
Amor, julgo trazer dentro de mim 
Um pedaço da terra portuguesa! 


Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" 

E o nosso Portugal hoje esteve assim. Cinzento. 

domingo, 7 de junho de 2015

Dar cor à vida!


A Nossa Vitória de cada Dia

Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceite o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. 

Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca. 

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto. 

De repente coloridas 
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor. 

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado) 

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte. 

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca' 





quinta-feira, 9 de abril de 2015

Se me esqueceres


Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.


Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.


Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.


Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.


Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus. 


Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda" 

Fotografia: Ansel Adams